02/02/2023

 

PRESENTE E FUTURO - 7 - Direitos Sociais de Volta – Proteção à Maternidade e à Infância[1]

O leitor deste artigo, e dos outros já publicados nesta série, tem consciência clara da importância de se refletir sobre essa temática. Os onze direitos, objeto desta série de artigos, em maior ou menor grau, abrangem toda a vida de cada cidadão ou de um ser humano que ainda não conseguiu inserir-se na sociedade com tal status de participação.

É fundamental, oportunamente, reunir informações que permitam uma visão, ainda que incompleta, do alcance desse direito social de proteção à maternidade e à infância pelas mães e crianças brasileiras. A proteção à maternidade e à infância é a ampliação das conquistas iniciadas, no século XIX, relativas à igualdade da mulher em relação ao homem, quanto ao direito ao trabalho e, posteriormente, a outros aspectos da vida social. No Brasil, o marco mais frequentemente mencionado é a Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, de 1943[2].

Em artigo sobre a proteção à maternidade no Brasil[3], Lima (2023) se propôs a levantar o histórico do tipo de proteção social no Brasil conhecido como “proteção à maternidade”, identificando seu surgimento em 1932. Disse, por exemplo, o autor:

A CLT, em um capítulo inteiramente destinado às mulheres (Título III, capítulo III), estabelece diversas regras, visando inseri-las no mercado de trabalho, protegê-las do preconceito e da discriminação, além de garantir a elas condições especiais de trabalho, tendo em vista as características próprias da mulher, suas indiscutíveis diferenças físicas e psíquicas em relação ao homem.

Chamou sua atenção, no entanto, o fato de existirem situações ainda não cobertas pelos dispositivos legais, como o caso de gravidez surgida durante o aviso prévio. Avançando em seu trabalho, Lima fez “um breve histórico acerca da proteção à maternidade no Brasil e análise de textos religiosos da Igreja Católica e da Organização Internacional do Trabalho acerca desse instituto. No segundo tópico do artigo, foi analisado o atual contexto do Direito do Trabalho na pós-modernidade e como o neoconstitucionalismo pode contribuir para o avanço da Proteção à Maternidade. No terceiro tópico, destaca o autor, o estudo foi aprofundado na análise acerca do “Princípio da Proteção à Maternidade e Princípio da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas para se verificar a possibilidade de um avanço nas garantias legais em casos ainda não tutelados no ordenamento brasileiro, ..."

Neste artigo do blog “Brasil com Democracia”, o direito social à proteção à maternidade é tratado juntamente com o direito à infância, como está na Constituição. É clara a razão de os Constituintes terem juntado esses dois episódios das vidas de mãe e filho: um não existe sem o outro, exceto nos sentimentos da mãe que perde o filho e deste que, pelos mais diversos motivos, também, perde aquela. Assim, eis um exemplo de interligação entre os direitos individuais e sociais.

Cabe registrar aqui os três artigos em que a Constituição da República garante conquistas dos trabalhadores e dos cidadãos em geral:

a) o artigo 5º garante os direitos e deveres individuais e coletivos aos brasileiros; a chamada “cláusula pétrea” do artigo 60 veda alteração, por meio de emenda, para reduzi-los. O elenco dos direitos e deveres individuais e coletivos nos leva a destacar o seguinte inciso do artigo 5º, em razão do significado de proteção à maternidade e à infância, tema específico desta postagem do blog: inciso L do artigo 5º: às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

b) ao se tratar, nesta série de pequenos artigos deste blog, dos direitos sociais, inscritos no artigo 6º da mesma Constituição da República, é importante destacar direitos definidos, seja no artigo 5º, dedicado aos direitos individuais e coletivos, como foi o caso do mencionado no item anterior, seja, no artigo 7º, alguns dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, como é o caso dos seguintes incisos:

·       XII – “salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei”, conforme redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998. A importância desse direito decorre de alguma tranquilidade que a quantia, continuamente paga, proporciona aos pais pertencentes às classes menos favorecidas;

·       XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

·     XIX – neste inciso, seguinte ao da licença à mulher gestante, ao garantir a licença-paternidade, a Constituição protege também a mãe e, consequentemente, (a)s criança(s), pelo apoio psicológico e material que essa licença representa para a mãe, mesmo que a licença concedida aos pais (fixação, por lei, do período de usufruto) tenha menor duração;

·       XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas (redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006);

·       XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

Cabe ressaltar, dentre essas indicações dos artigos, incisos e parágrafos da Constituição Federal relativos ao direito de proteção à maternidade e à infância, a extensão, aos empregados domésticos, de inúmeros dos direitos previstos no artigo 7º, por meio da Emenda Constitucional nº 72, de 2 de abril de 2013, que altera esse artigo da Constituição, com a alteração do seu parágrafo único, nos seguintes termos:

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.

Mostraram-se de grande importância complementar as indicações acima, baseadas na Constituição Federal, com o trabalho de MEROLA (2017)[4] acerca da extensão e regulamentação dos direitos das mulheres gestantes e mães, assegurados desde a Consolidação das Leis do Trabalho e suas alterações, anteriores, não revogadas pela Constituição Federal de 1988, ou posteriores a esta. Assim, enumeram-se a seguir, em ordem cronológica, os direitos constantes do estudo do autor citado.

1943[5]

a)     Licença maternidade de 120 dias, sem prejuízo do salário (art. 392 da CLT);

b)     dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e outros exames complementares (§ 4º, inciso II do art. 392 da CLT);

c)     intervalos para a amamentação, até que a criança complete 6 meses de idade (art. 396 da CLT);

d)     licença para levar o filho ao médico (art. 473, XI da CLT).

1988

Garantia de emprego a contar da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, inciso II, alínea b do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).[6]

1999

a)     A empregada gestante também poderá se ausentar do trabalho, sem prejuízo do salário e demais direitos, pelo tempo necessário para realizar, no mínimo, 6 (seis) consultas médicas e exames complementares (§ 4º, inciso II, do artigo 392 da CLT, com redação da pela Lei 9.766 de 26/05/1999).

2008

a) A partir da Lei 1.770/08, é possível às empresas privadas aderirem, a seu critério, ao programa "Empresa Cidadã". Nesses casos, as empregadas terão direito de prorrogar a licença maternidade por 60 dias, quando receberão os salários da própria empresa que, em troca, poderá deduzir o valor integralmente no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. A licença de seis meses (180 dias) atendeu a recomendações médicas e a uma reivindicação antiga de diversas entidades de classe e movimentos sociais. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a mãe deve amamentar o bebê por, no mínimo, seis meses;

b)    a licença à maternidade e o salário maternidade foram estendidos para a mãe adotiva e para a pessoa que obtém a guarda judicial de uma criança pela Lei nº 10.421, de 15/04/2002, que acrescentou o artigo 392-A à CLT. O fundamento é que a chegada da criança adotada em sua nova casa é equiparada ao parto, já que a mulher também vai se ocupar cuidando da criança que chegou, dando-lhe atenção, neste período de adaptação.

c)     “A família monoparental pode dar a base certa, a referência estável, de que uma criança necessita, do mesmo jeito que uma família tradicional. A adoção monoparental é a mais comum, sendo realizada por pessoas solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas. A mulher que adota não encontra problemas para obter a licença e o salário maternidade, mas os homens enfrentam obstáculos. A Lei nº 10.421/02, que acrescentou o art. 392-A à CLT, fala sempre no feminino, como seguradas e empregadas, deixando dúvidas a esse respeito. Mas a doutrina e jurisprudência têm apontado no sentido de que deve prevalecer o princípio da igualdade, onde todos são iguais perante a lei, sem distinção entre homens e mulheres” (ver estudo mencionado na nota de rodapé nº 3).

b)     “O casal homoafetivo deve possuir os mesmos direitos de um casal composto por homem e mulher. Assim, o casal homoafetivo também tem o direito de adotar uma criança, possuindo a mesma capacidade de criar, educar e amar. Nesse caso, como não poderia deixar de ser, também existe o direito à licença-maternidade e ao salário-maternidade previsto para o adotante, independentemente do fato de o casal homoafetivo ser formado por homens ou por mulheres” (ver estudo mencionado na nota de rodapé nº 3).

2016

a)     Segundo Merola (2017), “Em 9 de março de 2016 foi publicada a Lei 13.257, conhecida como o "Marco Regulatório da Primeira Infância". A nova lei visa estabelecer princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para menores de seis anos, em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento do ser humano. Algumas dessas regras afetam diretamente a relação de trabalho da empregada gestante e mãe. Entre elas podemos citar o artigo 37, que acrescentou os incisos X e XI ao artigo 473 da CLT.”

O estudo de Merola (2017) ainda enumera vários outros acréscimos menos destacados aos direitos mencionados, tanto pela imposição de situações surgidas na realidade quanto decorrentes de interpretação judicial diante das disposições posteriores à CLT e à Constituição.

Agradecimento: o autor desta série de artigos agradece as valiosas observações feitas pelos Professores Eneida Ende, João Carvalho e Maria Isabel Pedrosa às versões preliminares apresentadas a eles.

Recife, 2 de fevereiro de 2023.

Ivo V. Pedrosa

//ivopedrosa.academia.edu



[1] Vem sendo publicada no blog https://brasilcomdemocracia.blogspot.com, uma série de artigos, especialmente dedicados aos 11 "direitos sociais" mencionados no artigo 6º da Constituição Federal; os dois artigos iniciais abordam a conjuntura política e de atuação do Estado brasileiro, nos anos de 2022-23, e mecanismos de participação de inúmeros segmentos da sociedade em conselhos destinados à formulação, acompanhamento da execução e avaliação de políticas públicas, já experimentados no país. Este artigo, relativo à Proteção à Maternidade e à Infância, é o sétimo direito abordado nesta série.

São os seguintes os 11 direitos que estão sendo abordados nesta série, em ordem diferente daquela em que estão especificados na Constituição: Saúde, Alimentação, Trabalho, Moradia, Educação, Transporte, Segurança, Previdência Social, Proteção à Maternidade e à Infância, Assistência aos Desamparados e Lazer. O autor deste artigo buscou ordená-los segundo o critério da urgência no atendimento das necessidades, nesta primeira metade da década de vinte do século XXI, embora reconheça a dificuldade de fazer o ordenamento dos direitos para abordagem deles, pela interdependência que eles apresentam.

 

[2] Decreto Lei nº 5.452 de 01 de maio de 1943. Senado Federal. Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e normas correlatas. Atualizada até dezembro de 2017. Brasília: Senado Federal, 2017. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/535468/clt_e_normas_correlatas_1ed.pdf. 193p.

 

[3] Lucas Barbalho de Lima – “A PROTEÇÃO À MATERNIDADE NO BRASIL: Estudo acerca dos avanços da proteção à maternidade e de questões ainda não tuteladas pelo Direito do Trabalho brasileiro na Pós-modernidade”. Disponível, em 17/01/2023, em:  http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=bd26c6a5924c3aae#:~:text=A%20prote%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20maternidade%20%C3%A9%20um%20importante%20direito%20social%20inserido,e%2C%20principalmente%2C%20ao%20beb%C3%AA

[4] MEROLA, Sérgio. “Direitos da Mulher: A maternidade e os direitos que a protegem”. Jusbrasil, 2017, em: https://sergiomerola85.jusbrasil.com.br/noticias/440131742/direitos-da-mulher-a-maternidade-e-os-direitos-que-a-protegem. Alguns trechos são de autoria do próprio Sérgio Merola.

[5] Em razão da natureza deste texto – uma postagem no blog https://brasilcomdemocracia.blogspot.com.br, as alterações entre 1943 e 1988 não foram objeto de maior detalhamento.

[6] Ver as páginas 5 a 11 da publicação do Senado Federal mencionada na nota de rodapé número 2, sob o título “Dispositivos constitucionais pertinentes”.