20/03/2023

 

PRESENTE E FUTURO – 8 – Direitos Sociais de Volta – Previdência Social

A Previdência Social[1] integra, no Brasil, a Seguridade Social, que contempla também a Saúde e a Assistência Social. A Saúde e a Previdência, como se viu nesta série de artigos, constituem dois dos 11 direitos sociais elencados no artigo 6º da Constituição Brasileira.

O artigo 194 da Constituição da República é parte do capítulo II (Da Seguridade Social), está no título VIII, cujo tema é a Ordem Social, que "tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais" (artigo 193).

Em artigo no Jusbrasil[2], Célio Rodrigues da Cruz faz uma síntese de um longo período – de 1824 até os dias atuais – em que se constituiu a Seguridade Social, no Brasil, especificamente, para os propósitos deste artigo, a Previdência, sobretudo a pública. Diante da pequena dimensão deste artigo, mas em face do interesse dessa síntese histórica mencionada por Cruz (2015), abrevio ainda mais o percurso do direito do cidadão brasileiro à Previdência e aos demais componentes da Seguridade Social, com uma cronologia dos marcos fundamentais de sua constituição. Destaco, em negrito, as temáticas surgidas ao longo do tempo.

1824 – Atos de seguridade social estariam, segundo a literatura, previstos pela primeira vez numa Constituição[3]. O mesmo autor referido na nota de rodapé nº 2, inicia seu artigo afirmando: “No Brasil, a ideia de seguridade social iniciou-se com os “socorros públicos”, com disposição expressa na Constituição de 1824 (primeira previsão constitucional de atos securitários). Essas atividades eram desenvolvidas pela iniciativa privada, por meio das santas casas de misericórdia, a exemplo da Santa Casa da Misericórdia de Santos, em 1553”. O exame do inciso do artigo 179 – no inciso XXXI: “A Constituição também garante os socorros públicos” - deve levar à reflexão sobre se, de fato, o “direito” ao “socorro público”, ação secular, predominantemente caritativa, poderia ser considerada, como acontece na literatura, um antecedente dos atuais direitos sociais à previdência, à assistência social e à saúde, reunidos na “Seguridade Social”, representadas pelas políticas públicas relacionadas a esses direitos. Souza (2007, págs. 15-16)[4] destaca o significado desse tipo de ação da sociedade:

"Como 'socorros públicos' são entendidos os auxílios exercidos pelo Estado à porção desamparada da sociedade como viúvas, órfãos, expostos, presos, inválidos e miseráveis, garantidos pela Constituição Política do Império do Brasil de 1824, cuja definição não é encontrada nesse documento, mas passível de ser identificada no corpo das Leis e Decisões do Governo do período estudado. Este termo utilizado pela documentação oficial abrange de maneiras distintas a população estendendo seus benefícios a outras camadas além dessa marginalizada da sociedade, seguindo critérios de prestação de serviço e defesa dos interesses do Estado, como será mostrado adiante".

1835 – Foi criado o MONGERAL - Montepio Geral dos Servidores do Estado - primeira entidade de previdência privada do Brasil.

1891 – Outra vez, a seguridade social é inserida numa Constituição: foi estabelecida expressamente a aposentadoria por invalidez para funcionários a serviço da nação[5].

1911 – Um instrumento normativo infraconstitucional (Decreto nº 9.824) criou a Caixa de Pensões dos Operários da Casa da Moeda.

1919 – Foram reguladas, pelo Decreto nº 3.274/1919, obrigações resultantes dos acidentes de trabalho.

1923 – Foi editada a chamada Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682), que criou as chamadas Caixas de Aposentadoria e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias, contemplando os seguintes benefícios: aposentadoria por invalidez, aposentadoria por tempo de contribuição, pensão por morte e o benefício de assistência médica. Esses benefícios eram custeados por contribuições do Estado, dos empregadores e dos trabalhadores (CRUZ, 2015). Essas CAPs (Caixas de Aposentadoria e Pensões) foram sendo criadas, na década de vinte, pelas empresas dos mais diversos ramos de atividades, como telegrafia, operação de portos, mineração etc.

1933 – Foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos (IAPM), seguindo-se, em 1934, a criação do IAPC (Comerciários) e a do IAPB (Bancários), em pleno governo provisório de Getúlio Vargas (1930-1934).

1934 – Na Constituição brasileira deste ano foi consolidada a tríplice forma de custeio (governo, empregadores e empregados), já criada pela Lei Eloy Chaves, em 1923, e instituída a noção do “risco social” – doença, invalidez, velhice e morte.

1937 – A Constituição promulgada nesse ano, início do Estado Novo, utilizou pela primeira vez a expressão “seguro social”.

1946 – Na Constituição editada nesse ano, foi introduzida a expressão “previdência social” e instituído o mecanismo de “contrapartida”, visando o equilíbrio entre receita e despesa do Sistema da Seguridade Social, e “passou a proteger expressamente os denominados ‘riscos’” (CRUZ, 2015).

1960 – Foi editada a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, “que unificou a legislação dos diversos IAP’s, iniciando o processo de universalização da Previdência Social no Brasil. É importante registrar que a LOPS manteve a exclusão dos trabalhadores rurais e dos domésticos do sistema previdenciário” (CRUZ, 2015). Ou seja, esses excluídos eram, na maioria negros, descendentes de escravos, 72 anos após a “Lei Áurea”! Como se verá adiante, somente em 1972 esses segmentos foram beneficiados com alguma proteção social.

1967 – A partir de primeiro de janeiro desse ano, começou a operar o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), criado pelo Decreto-Lei nº 72/1966.

1971 - Foi instituída a previdência social dos trabalhadores rurais, por meio da Lei Complementar nº 11, que criou o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL).

1972 – A Lei nº 5.859 deu início à proteção social para os trabalhadores rurais e domésticos.

1977 - Foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), por meio da Lei nº 6.439 desse ano, o que possibilitou a integração das áreas de previdência social, assistência social e assistência médica, bem como a gestão das entidades ligadas ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).

1988 - Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ocorreu a grande inovação em matéria de seguro social, ao reunir as três áreas da seguridade social: saúde, previdência social e assistência social.[6]

1990 – A Lei nº 7.998 desse ano, conforme a sua ementa, regulou o Programa do Seguro-Desemprego e o Abono Salarial, instituiu o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e deu outras providências.[7] Nesse mesmo ano de 1990, foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio da Lei 8.029/1990, decorrente da fusão do INPS (benefícios) com IAPAS (custeio).

1991 – A Lei nº 8.212 disciplinou o Custeio da Seguridade Social e a Lei nº 8.213 disciplinou o Plano de Benefícios do Regime Geral da Previdência Social.

2003 - Dispõe sobre a concessão do benefício de seguro-desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal.

2015 – A Lei nº 13.134, de 6/06 desse ano “Altera as Leis nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que regula o Programa do Seguro-Desemprego e o Abono Salarial e institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), nº 10.779, de 25 de novembro de 2003, que dispõe sobre o seguro-desemprego para o pescador artesanal, e nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social; revoga dispositivos da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, e as Leis nº 7.859, de 25 de outubro de 1989, e no 8.900, de 30 de junho de 1994; e dá outras providências” (ementa da Lei).

2019 – “O Congresso promulgou nesta terça-feira (12) a Emenda Constitucional nº 103 ..., que altera o sistema de Previdência Social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Apresentada pelo governo em fevereiro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 tramitou por seis meses na Câmara e quase três no Senado. O objetivo da medida, segundo o Executivo, é reduzir o déficit nas contas da Previdência Social. A estimativa de economia é de cerca de R$ 800 bilhões em 10 anos.”[8]

Observe-se que o objetivo da “reforma” (“economia” de 800 bilhões de Reais) exprime a essência das ações (e omissões) representativas do extremo grau de neoliberalismo das medidas econômicas posteriores ao Golpe parlamentar-judiciário-midiático de 2016.

O autor deste pequeno artigo espera que o imenso rol de temas, portadores de inúmeras questões a serem debatidas, contribua para apreciações com vistas ao aperfeiçoamento da Previdência Social, em particular, e do Sistema de Seguridade Social Brasileiro, em geral.

Agradecimento: o autor desta série de artigos agradece as valiosas observações feitas pelos Professores João Carvalho, Maria Isabel Pedrosa e Eneida Ende à versão preliminar a eles apresentadas, mas, é claro, isenta os três por falhas remanescentes na versão final, da responsabilidade exclusiva do autor.

Ivo V. Pedrosa - //:ivopedrosa.academia.edu - 20/03/2023.



[1] Vem sendo publicada no blog https://brasilcomdemocracia.blogspot.com, uma série de artigos, especialmente dedicados aos 11 "direitos sociais" mencionados no artigo 6º da Constituição Federal; os dois artigos iniciais abordam a conjuntura política e de atuação do Estado brasileiro, nos anos de 2022-23, e mecanismos de participação de inúmeros segmentos da sociedade em conselhos destinados à formulação, acompanhamento da execução e avaliação de políticas públicas, já experimentados no país. Este artigo, relativo à Previdência Social, é dedicado ao oitavo direito abordado nesta série.

São os seguintes os 11 direitos que estão sendo abordados, na seguinte ordem, diferente daquela em que estão especificados na Constituição: 1 – Alimentação; 2 – Habitação; 3 – Assistência aos Desamparados; 4 – Trabalho; 5 – Saúde; 6 – Educação; 7 - Proteção à Maternidade e à Infância; 8 - Previdência Social; 9 – Transporte; 10 – Segurança; e 11 – Lazer. O autor deste artigo buscou ordená-los segundo o critério da urgência no atendimento das necessidades, nesta primeira metade da década de vinte do século XXI, embora reconheça a dificuldade de fazer o ordenamento dos direitos para abordagem deles, pela interdependência que eles apresentam.

 

[2] “Origem e evolução da Seguridade Social no Brasil”, disponível em: https://professorceliocruz.jusbrasil.com.br/artigos/217784909/origem-e-evolucao-da-seguridade-social-no-brasil; publicado em 2015; acesso em 06/03/2023.

[3] Ver NOGUEIRA, Octaciano. “Constituições brasileiras, vol. I, 1824”. Brasília: Senado Federal, 3ª ed. 2012.

[4] SOUZA, Simone Elias de. "Os 'Socorros públicos' no Império do Brasil 1822 a 1834”. Assis, 2007. 178f. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras de Assis - Universidade Estadual Paulista.

[5]Art. 75 - A aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação”. Constituição de 1891: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm

[6] Conforme sintetiza Cruz (2015): “É importante frisar que a Constituição estabelece no caput do art. 194 que a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos fundamentais relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

[7] Balestro, Moisés Villamil; Marinho, Danilo Nolasco Cortes; Walter, Maria Inez Machado Telles – “Seguro-desemprego no Brasil: a possibilidade de combinar proteção social e melhor funcionamento do mercado de trabalho”. Revista Sociedade e Estado, volume 26, número 2, maio e agosto, 2011.