PRESENTE E FUTURO – 8 – Direitos Sociais de Volta –
Previdência Social
A Previdência Social[1] integra, no Brasil, a Seguridade
Social, que contempla também a Saúde e a Assistência Social. A Saúde e a
Previdência, como se viu nesta série de artigos, constituem dois dos 11 direitos
sociais elencados no artigo 6º da Constituição Brasileira.
O artigo 194 da Constituição da República é parte do capítulo
II (Da Seguridade Social), está no título VIII, cujo tema é a Ordem Social, que "tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a
justiça sociais" (artigo 193).
Em artigo no Jusbrasil[2], Célio Rodrigues da Cruz
faz uma síntese de um longo período – de 1824 até os dias atuais – em que se
constituiu a Seguridade Social, no Brasil, especificamente, para os propósitos
deste artigo, a Previdência, sobretudo a pública. Diante da pequena dimensão
deste artigo, mas em face do interesse dessa síntese histórica mencionada por
Cruz (2015), abrevio ainda mais o percurso do direito do cidadão brasileiro à
Previdência e aos demais componentes da Seguridade Social, com uma cronologia
dos marcos fundamentais de sua constituição. Destaco, em negrito, as temáticas
surgidas ao longo do tempo.
1824 – Atos de seguridade social estariam,
segundo a literatura, previstos pela primeira vez numa Constituição[3].
O mesmo autor referido na nota de rodapé nº 2, inicia seu artigo afirmando: “No Brasil, a ideia de seguridade social iniciou-se com os “socorros
públicos”, com disposição expressa na Constituição de 1824 (primeira
previsão constitucional de atos securitários). Essas atividades eram
desenvolvidas pela iniciativa privada, por meio das santas casas de
misericórdia, a exemplo da Santa Casa da Misericórdia de Santos, em 1553”.
O exame do inciso do artigo 179 – no inciso XXXI: “A Constituição também
garante os socorros públicos” - deve levar à reflexão sobre se, de fato, o
“direito” ao “socorro público”, ação secular, predominantemente caritativa,
poderia ser considerada, como acontece na literatura, um antecedente dos atuais
direitos sociais à previdência, à assistência social e à saúde, reunidos na
“Seguridade Social”, representadas pelas políticas públicas relacionadas a
esses direitos. Souza (2007, págs. 15-16)[4] destaca o significado
desse tipo de ação da sociedade:
"Como 'socorros públicos' são entendidos os auxílios exercidos pelo
Estado à porção desamparada da sociedade como viúvas, órfãos, expostos, presos,
inválidos e miseráveis, garantidos pela Constituição Política do Império do
Brasil de 1824, cuja definição não é encontrada nesse documento, mas passível
de ser identificada no corpo das Leis e Decisões do Governo do período
estudado. Este termo utilizado pela documentação oficial abrange de maneiras
distintas a população estendendo seus benefícios a outras camadas além dessa
marginalizada da sociedade, seguindo critérios de prestação de serviço e defesa
dos interesses do Estado, como será mostrado adiante".
1835 – Foi criado o MONGERAL -
Montepio Geral dos Servidores do Estado - primeira entidade de previdência
privada do Brasil.
1891 – Outra vez, a seguridade social
é inserida numa Constituição: foi estabelecida expressamente a aposentadoria
por invalidez para funcionários a serviço da nação[5].
1911 – Um instrumento normativo
infraconstitucional (Decreto nº 9.824) criou a Caixa de Pensões dos
Operários da Casa da Moeda.
1919 – Foram reguladas, pelo Decreto
nº 3.274/1919, obrigações resultantes dos acidentes de trabalho.
1923 – Foi editada a chamada Lei Eloy
Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682), que criou as chamadas Caixas de
Aposentadoria e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias,
contemplando os seguintes benefícios: aposentadoria por invalidez, aposentadoria
por tempo de contribuição, pensão por morte e o benefício de assistência
médica. Esses benefícios eram custeados por contribuições do Estado, dos
empregadores e dos trabalhadores (CRUZ, 2015). Essas CAPs (Caixas de
Aposentadoria e Pensões) foram sendo criadas, na década de vinte, pelas
empresas dos mais diversos ramos de atividades, como telegrafia, operação de
portos, mineração etc.
1933 – Foi criado o Instituto de
Aposentadoria e Pensão dos Marítimos (IAPM), seguindo-se, em 1934, a criação do
IAPC (Comerciários) e a do IAPB (Bancários), em pleno governo provisório de
Getúlio Vargas (1930-1934).
1934 – Na Constituição brasileira
deste ano foi consolidada a tríplice forma de custeio (governo, empregadores e
empregados), já criada pela Lei Eloy Chaves, em 1923, e instituída a noção do “risco
social” – doença, invalidez, velhice e morte.
1937 – A Constituição promulgada
nesse ano, início do Estado Novo, utilizou pela primeira vez a expressão “seguro
social”.
1946 – Na Constituição editada nesse
ano, foi introduzida a expressão “previdência social” e instituído o
mecanismo de “contrapartida”, visando o equilíbrio entre receita e despesa
do Sistema da Seguridade Social, e “passou a proteger expressamente os
denominados ‘riscos’” (CRUZ, 2015).
1960 – Foi editada a Lei Orgânica da
Previdência Social – LOPS, “que unificou a legislação dos diversos
IAP’s, iniciando o processo de universalização da Previdência Social no
Brasil. É importante registrar que a LOPS manteve a exclusão dos
trabalhadores rurais e dos domésticos do sistema previdenciário” (CRUZ,
2015). Ou seja, esses excluídos eram, na maioria negros, descendentes de
escravos, 72 anos após a “Lei Áurea”! Como se verá adiante, somente em 1972
esses segmentos foram beneficiados com alguma proteção social.
1967 – A partir de primeiro de janeiro
desse ano, começou a operar o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS),
criado pelo Decreto-Lei nº 72/1966.
1971 - Foi instituída a previdência
social dos trabalhadores rurais, por meio da Lei Complementar nº 11, que
criou o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL).
1972 – A Lei nº 5.859 deu início à proteção
social para os trabalhadores rurais e domésticos.
1977 - Foi criado o Sistema Nacional de
Previdência e Assistência Social (SINPAS), por meio da Lei nº 6.439 desse ano,
o que possibilitou a integração das áreas de previdência social, assistência
social e assistência médica, bem como a gestão das entidades ligadas ao
Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).
1988 - Com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, ocorreu a grande inovação em matéria de seguro social, ao
reunir as três áreas da seguridade social: saúde, previdência social e
assistência social.[6]
1990 – A Lei nº 7.998 desse ano, conforme a sua
ementa, regulou o Programa do Seguro-Desemprego e o Abono Salarial,
instituiu o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e deu outras providências.[7]
Nesse mesmo ano de 1990, foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), por meio da Lei 8.029/1990, decorrente da fusão do INPS (benefícios)
com IAPAS (custeio).
1991 – A Lei nº 8.212 disciplinou o Custeio da
Seguridade Social e a Lei nº 8.213 disciplinou o Plano de Benefícios do Regime
Geral da Previdência Social.
2003 - Dispõe sobre a concessão do benefício de seguro-desemprego,
durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a atividade
pesqueira de forma artesanal.
2015 – A Lei nº 13.134, de 6/06 desse ano “Altera as
Leis nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que regula o Programa do
Seguro-Desemprego e o Abono Salarial e institui o Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT), nº 10.779, de 25 de novembro de 2003, que dispõe sobre o seguro-desemprego
para o pescador artesanal, e nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre
os planos de benefícios da Previdência Social; revoga dispositivos da Lei nº
7.998, de 11 de janeiro de 1990, e as Leis nº 7.859, de 25 de outubro de 1989,
e no 8.900, de 30 de junho de 1994; e dá outras providências” (ementa da Lei).
2019 – “O Congresso promulgou nesta terça-feira (12) a Emenda Constitucional nº 103 ..., que altera o sistema de Previdência Social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Apresentada pelo governo em fevereiro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 tramitou por seis meses na Câmara e quase três no Senado. O objetivo da medida, segundo o Executivo, é reduzir o déficit nas contas da Previdência Social. A estimativa de economia é de cerca de R$ 800 bilhões em 10 anos.”[8]
Observe-se que o objetivo da “reforma” (“economia” de 800 bilhões de
Reais) exprime a essência das ações (e omissões) representativas do extremo
grau de neoliberalismo das medidas econômicas posteriores ao Golpe
parlamentar-judiciário-midiático de 2016.
O autor
deste pequeno artigo espera que o imenso rol de temas, portadores de inúmeras
questões a serem debatidas, contribua para apreciações com vistas ao
aperfeiçoamento da Previdência Social, em particular, e do Sistema de
Seguridade Social Brasileiro, em geral.
Agradecimento:
o autor desta série de artigos agradece as valiosas observações feitas pelos
Professores João Carvalho, Maria Isabel Pedrosa e Eneida Ende à versão
preliminar a eles apresentadas, mas, é claro, isenta os três por falhas
remanescentes na versão final, da responsabilidade exclusiva do autor.
Ivo V. Pedrosa
- //:ivopedrosa.academia.edu - 20/03/2023.
[1]
Vem sendo publicada no blog https://brasilcomdemocracia.blogspot.com,
uma série de artigos, especialmente dedicados aos 11 "direitos
sociais" mencionados no artigo 6º da Constituição Federal; os dois artigos
iniciais abordam a conjuntura política e de atuação do Estado brasileiro, nos
anos de 2022-23, e mecanismos de participação de inúmeros segmentos da
sociedade em conselhos destinados à formulação, acompanhamento da execução e
avaliação de políticas públicas, já experimentados no país. Este artigo,
relativo à Previdência Social, é dedicado ao oitavo direito abordado nesta
série.
São os seguintes os 11 direitos que estão sendo
abordados, na seguinte ordem, diferente daquela em que estão especificados na
Constituição: 1 – Alimentação; 2 – Habitação; 3 – Assistência aos Desamparados;
4 – Trabalho; 5 – Saúde; 6 – Educação; 7 - Proteção à Maternidade e à Infância;
8 - Previdência Social; 9 – Transporte; 10 – Segurança; e 11 – Lazer. O autor
deste artigo buscou ordená-los segundo o critério da urgência no atendimento
das necessidades, nesta primeira metade da década de vinte do século XXI,
embora reconheça a dificuldade de fazer o ordenamento dos direitos para
abordagem deles, pela interdependência que eles apresentam.
[2] “Origem e evolução da Seguridade Social no Brasil”, disponível em: https://professorceliocruz.jusbrasil.com.br/artigos/217784909/origem-e-evolucao-da-seguridade-social-no-brasil; publicado em 2015; acesso em 06/03/2023.
[3]
Ver NOGUEIRA, Octaciano. “Constituições brasileiras, vol. I, 1824”. Brasília:
Senado Federal, 3ª ed. 2012.
[4]
SOUZA, Simone Elias de. "Os 'Socorros públicos' no Império do Brasil 1822
a 1834”. Assis, 2007. 178f. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e
Letras de Assis - Universidade Estadual Paulista.
[5]
“Art. 75 - A aposentadoria só poderá
ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação”.
Constituição de 1891: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm
[6] Conforme sintetiza Cruz (2015): “É importante frisar que a Constituição estabelece no caput do art. 194 que a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos fundamentais relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
[7]
Balestro, Moisés Villamil; Marinho, Danilo Nolasco Cortes; Walter, Maria Inez
Machado Telles – “Seguro-desemprego no Brasil: a possibilidade de combinar
proteção social e melhor funcionamento do mercado de trabalho”. Revista
Sociedade e Estado, volume 26, número 2, maio e agosto, 2011.