16/05/2022

 

PRESENTE E FUTURO – MECANISMOS DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO BRASIL

Ivo V. Pedrosa – https://ivopedrosa.academia.edu

 

No meu primeiro texto, sobre a reconstrução do país, neste blog (ver em https://brasilcomdemocracia.blogspot.com/2022/05/presentee-futuro-os-horizontes-vista-e.html), em que procurei examinar aspectos do processo de reconstrução do Brasil após os anos do golpe (2016 até este de 2022, considerando, neste segundo caso, a hipótese de derrota do fascismo nas urnas, em outubro), dei destaque às políticas sociais, sobretudo em razão da óbvia urgência decorrente da fome, do desemprego e da redução da renda por habitante.

Além das maiores carências materiais provocadas pelas políticas neoliberais e entreguistas, com perdas nas condições de vida e nas riquezas do território, a sociedade brasileira foi atacada pelo desmonte de estruturas importantes para a democracia participativa, construídas ao longo de anos. Refiro-me aos órgãos de deliberação sobre políticas públicas que foram simplesmente varridos do mapa da administração pública federal, por meio de revogação “pura e simples” de dispositivos legais criadores e reguladores, ou por meio do desmonte dos colegiados, via destituição de pessoas experientes e corte de recursos para manutenção[1].

O Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, foi o produto de uma iniciativa de cunho meramente destrutivo de mecanismos de participação de segmentos da sociedade nas decisões sobre as políticas públicas, construídos penosamente ao longo de anos.

Em sua ementa lê-se: "Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal". Ressalte-se que a revogação dizia respeito a instrumentos legais anteriores a 1º de janeiro de 2019, numa clara demonstração de que se tratava de execução de promessa de campanha - “eu vim para destruir”! - do Presidente eleito em 2018, com o uso de propagação de notícias falsas e exploração da precária Educação resultante de décadas de descaso com políticas públicas voltadas para a formação do cidadão. As justificativas apresentadas na Exposição de Motivos EM nº 19, de mesma data, foi assinada pelo então Ministro da Casa Civil Onyx Dornelles Lorenzoni, conhecido membro da equipe mais próxima do Presidente da República, pela sua capacidade de executar qualquer “ordem”.

Não há, na EM 19, nenhuma apresentação específica de disfuncionalidade de qualquer das diversas políticas públicas (Saúde, Educação, Trabalho etc.) objeto de deliberação pelos Conselhos e órgãos similares desmontados. A menos que se considerem justificativas frases cheias de generalidades. Fica claro da leitura dos documentos que o objetivo foi exclusivamente extinguir essas instâncias administrativas. Também fica claro o objetivo quando se considera ter sido propalado que a medida – extinguir 100 Conselhos - seria uma comemoração pelos “100 dias de Governo”![2]

Quanto ao Decreto, observe-se que no mês seguinte (maio) ao da edição (abril de 2019) várias revogações ocorreram, provocadas por protestos e medidas judiciais contra os abusos de poder praticados com sua edição.

Destaquem-se inicialmente alguns trechos das justificativas para a edição do Decreto:

a) "Trata-se de proposta que busca controlar a incrível proliferação de colegiados no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional por meio da extinção em massa de colegiados criados antes de 1º de janeiro de 2019...". Veja-se que a extinção alcançou, indiscriminadamente, todos os colegiados criados anteriormente ao início do ano da edição do Decreto;

b) "A situação de excesso de colegiados é tão grave que não se conseguiu realizar levantamento confiável sobre o total de colegiados existentes...". Observe-se, foi decretada a extinção sem um "levantamento confiável" dos colegiados existentes;

c) a Exposição de Motivos cita, "problemas muito mais graves do excesso de colegiados": "grupos de pressão, tanto internos quanto externos à administração, que se utilizam de colegiados, com composição e modo de ação direcionados, para tentar emplacar (sic) que não estão conforme a linha das autoridades eleitas democraticamente". É o caso de perguntar: a que se destinam participantes de deliberativos se não for fazer pressão pelos interesses que defendem?

E continua: "Quanto ao último ponto, cumpre destacar inclusão na proposta da revogação (negrito no original) do Decreto nº 8.243, de 2014, que institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS, e dá outras providências"[3]. Segundo a Exposição, "esse ato, utilizando de linguagem deliberadamente imprecisa, visa estimular a criação e o fortalecimento de colegiados integrados por grupos políticos específicos para se contrapor ao poder das autoridades eleitas...".

O Decreto nº 9.812, de 30 de maio de 2019, restringiu o alcance do Decreto nº 9.759, comentado acima, que também foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN nº 6.121, impetrada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Esta ADIN suspendeu dispositivos do Decreto nº 9.759, conforme decisão do Plenário em 13.06.2019[4].

Mecanismos de democracia participativa: os Conselhos de representantes dos segmentos da sociedade civil e as Conferências Nacionais para discussão de políticas públicas

Esses mecanismos foram articulados na Política Nacional de Participação Social - PNPS[5], criada pelo Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014: “Institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS, e dá outras providências”. Ver também: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2014/10/CartilhaPNPS1.pdf. Nesta cartilha encontram-se dois conceitos especialmente importantes: o da PNPS (“A Política Nacional de Participação Social (PNPS) é o conjunto de conceitos e diretrizes relativos às instâncias e mecanismos criados para possibilitar o diálogo, a aprendizagem e o compartilhamento de decisões entre o governo federal e a sociedade civil”; o outro conceito é o da sociedade civil: “O cidadão, os coletivos, os movimentos sociais, as suas redes e suas organizações”.

Ainda segundo essa cartilha, “A PNPS segue algumas diretrizes que norteiam a sua concepção, implementação e monitoramento. São elas:

• o reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia;

• a complementaridade, transversalidade e integração entre mecanismos e instâncias da democracia representativa, participativa e direta;

• a solidariedade, cooperação e respeito à diversidade para a construção de valores de cidadania e de inclusão social;

• o direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas;

• a valorização da educação para a cidadania ativa;

• a autonomia, o livre funcionamento e a independência das organizações da sociedade civil;

• a ampliação dos mecanismos de controle social”.

O art. 2º do Decreto nº 8.243/2014 estabelece o completo alcance da PNPS:

Art. 2º Para os fins deste Decreto, considera-se:

I - sociedade civil - o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações;

II - conselho de políticas públicas - instância colegiada temática permanente, instituída por ato normativo, de diálogo entre a sociedade civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na gestão de políticas públicas;

III - comissão de políticas públicas - instância colegiada temática, instituída por ato normativo, criada para o diálogo entre a sociedade civil e o governo em torno de objetivo específico, com prazo de funcionamento vinculado ao cumprimento de suas finalidades;

IV - conferência nacional - instância periódica de debate, de formulação e de avaliação sobre temas específicos e de interesse público, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil, podendo contemplar etapas estaduais, distrital, municipais ou regionais, para propor diretrizes e ações acerca do tema tratado;

V - ouvidoria pública federal - instância de controle e participação social responsável pelo tratamento das reclamações, solicitações, denúncias, sugestões e elogios relativos às políticas e aos serviços públicos, prestados sob qualquer forma ou regime, com vistas ao aprimoramento da gestão pública;

VI - mesa de diálogo - mecanismo de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais;

VII - fórum interconselhos - mecanismo para o diálogo entre representantes dos conselhos e comissões de políticas públicas, no intuito de acompanhar as políticas públicas e os programas governamentais, formulando recomendações para aprimorar sua intersetorialidade e transversalidade;

VIII - audiência pública - mecanismo participativo de caráter presencial, consultivo, aberto a qualquer interessado, com a possibilidade de manifestação oral dos participantes, cujo objetivo é subsidiar decisões governamentais;

IX - consulta pública - mecanismo participativo, a se realizar em prazo definido, de caráter consultivo, aberto a qualquer interessado, que visa a receber contribuições por escrito da sociedade civil sobre determinado assunto, na forma definida no seu ato de convocação; e

X - ambiente virtual de participação social - mecanismo de interação social que utiliza tecnologias de informação e de comunicação, em especial a internet, para promover o diálogo entre administração pública federal e sociedade civil.

Parágrafo único. As definições previstas neste Decreto não implicam a desconstituição ou alteração de conselhos, comissões e demais instâncias de participação social já instituídas no âmbito do governo federal”.

 

Com relação às conferências nacionais, mencionadas no item IV acima, deve ser considerada a pesquisa abordada em AVRITZER (2012), em que foram incluídas, das 115 realizadas desde os anos 1940 (no Governo Vargas), 74 o foram durante o governo Lula. Essa quantidade restringe o levantamento conforme critério especificado: “Para os efeitos deste trabalho iremos definir as conferências nacionais como IPs (Instituições Participativas) de deliberação sobre políticas públicas no nível nacional de governo que são convocadas pelo governo federal e organizadas nos três níveis da Federação. Desta maneira, estaremos descartando, para os objetivos deste trabalho, todas as conferências que não tiveram as fases locais ou que não foram tornadas deliberativas no momento da sua convocação” (p.8). O autor acrescenta que “Ainda que o governo federal tenha a prerrogativa de convocar as conferências nacionais, algumas delas estão previstas em lei e sua convocação pelo governo federal é obrigatória. Esse é o caso da saúde, da assistência social e do recém-criado sistema de segurança alimentar” (nota de rodapé da pág.8).

 

Como se vê, os mecanismos de participação destacados neste artigo – Conselhos e Conferências Nacionais de Política Pública -, mesmo tendo sido apenas parte da PNPS aprovada em 2014, constituiriam, se restaurados em sua plenitude, excelente elemento de dinamização e controle, pela sociedade, da democratização das políticas públicas, especialmente as relacionadas com os direitos sociais.

 

Recife, 13 de maio de 2022 (134 anos após a frustrada abolição completa da escravidão).

 



[1] Sobre essas questões de órgãos participativos, mencione-se:
a) O art. 1º da Constituição Federal, que define a República Federativa do Brasil, constituída como Estado Democrático de Direito, após alinhar seus fundamentos, afirma no parágrafo único: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição" (Grifo do autor deste artigo). O título VIII da mesma Constituição trata da Ordem Social e, no seu capítulo I, "Disposição Geral", no artigo 193, está disposto: "A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais". O parágrafo único deste artigo estabelece: "O Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas".

b) O texto de AVRITZER, Leonardo. Conferências Nacionais: Ampliando e Redefinindo os padrões de Participação Social no Brasil. Texto para discussão n°1.739. IPEA, Rio de Janeiro, maio de 2012.

c) Em 29/09/2016, logo após o golpe parlamentar-midiático-judicial, o regime de exceção, com apoio do Congresso (“mais conservador da história da República”, conforme reconhecimento frequente, sancionou a Lei nº 12.341, cuja ementa dispõe: “Altera as Leis n º 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e 11.890, de 24 de dezembro de 2008, e revoga a Medida Provisória nº 717, de 16 de março de 2016”, introduziu desmonte administrativo com profundas alterações na estrutura do Poder Executivo.  

[2] O Decreto e a Exposição de Motivos podem ser lidos no site https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/d9759.htm.

[3] Matéria do boletim da Câmara dos Deputados, de 28/10/2014, informou sobre a ação desse Poder no sentido de revogar o Decreto que instituiu a Política Nacional de Participação Social. Segundo a matéria, "O governo perdeu a primeira votação na Câmara dos Deputados depois da reeleição da presidente Dilma Rousseff. A oposição obteve o apoio de partidos da base, como PMDB e PP, e conseguiu aprovar o projeto do líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), que susta o decreto da presidente que criou a Política Nacional de Participação Social (Decreto 8.243/14). Fonte: Agência Câmara de Notícias.

[4] Decisão: O Tribunal, por maioria, deferiu parcialmente a medida cautelar para, suspendendo a eficácia do § 2º do artigo 1º do Decreto nº 9.759/2019, na redação dada pelo Decreto nº 9.812/2019, afastar, até o exame definitivo desta ação direta de inconstitucionalidade, a possibilidade de ter-se a extinção, por ato unilateralmente editado pelo Chefe do Executivo, de colegiado cuja existência encontre menção em lei em sentido formal, ainda que ausente expressa referência "sobre a competência ou a composição", e, por arrastamento, suspendeu a eficácia de atos normativos posteriores a promoverem, na forma do artigo 9º do Decreto nº 9.759/2019, a extinção dos órgãos, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello, que concediam integralmente a cautelar. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 13.06.2019.

[5] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/decreto/d8243.htm. Ver também: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2014/10/CartilhaPNPS1.pdf. Nesta cartilha encontram-se dois conceitos especialmente importantes: o da PNPS - “A Política Nacional de Participação Social (PNPS) é o conjunto de conceitos e diretrizes relativos às instâncias e mecanismos criados para possibilitar o diálogo, a aprendizagem e o compartilhamento de decisões entre o governo federal e a sociedade civil”; o outro conceito é o da sociedade civil - “O cidadão, os coletivos, os movimentos sociais, as suas redes e suas organizações”.

04/05/2022

 

ONU reconhece que Lula foi vítima de julgamento parcial e teve direitos civis e políticos violados

28 de abril de 2022

Organismo internacional determina que governo brasileiro indique, em 180 dias, como vai reparar danos causados ao ex-presidente

Fonte: https://lula.com.br/onu-reconhece-que-lula-foi-vitima-de-julgamento-parcial-e-teve-direitos-civis-e-politicos-violados/

03/05/2022

PRESENTE E FUTURO – OS HORIZONTES À VISTA E OS DISTANTES

Ivo V. Pedrosa - //ivopedrosa.academia.edu

 

Vivemos um período em que estamos diante de inúmeras tarefas: as relacionadas com o esforço redobrado para a mudança, em outubro deste ano, dos detentores de poder nos Executivos e Legislativos Federais e Estaduais e as referentes à reconstrução do ambiente viável para o convívio social e das instituições democráticas.

Além da imprescindível e permanente luta pelas mudanças na esfera de atuação de cada cidadão, as eleições de outubro são o primeiro horizonte de destaque à vista. Nesse pequeno tempo que nos separa dele, é indispensável dialogar com os que podem contribuir para começar a fazer ruir o fascismo. Não será tarefa fácil, mas é inadiável. Os 25 a 30% da população, com direito a votar, que, em pesquisas de opinião, mantêm-se favoráveis à extensão do regime fascista, exigem dos engajados na transformação do país, além do esforço de planejar e começar as tarefas da reconstrução, o de enfrentar as ameaças, provocações e mesmo violência dos que se sentem próximos do momento de serem retirados do Poder.

Os que foram colocados no Poder por meio do golpe de 2016 continuam na sua determinação de difundir o ódio, de modo a continuar a destruição da esperança e o desmonte das instituições.


Os problemas graves e imediatos a enfrentar

É do conhecimento de todos e de discussão diária o conjunto de problemas graves e imediatos a enfrentar, passíveis de serem expressos em uma ou poucas palavras singulares. Tais problemas, visivelmente, se apresentam relacionados, mas precisam ser atacados separadamente. Alguns exemplos: a fome; o desemprego; a falta de renda ou de transferências públicas, ou a maior redução do poder de compra delas com a alta da inflação; e a carência aguda de habitação.

A este primeiro grupo de problemas somam-se outros e tornam-se evidentes suas interdependências ou combinação de políticas.

Essa questão de superposições de políticas fica bem clara em entrevista de Esther Dweck a Breno Altman, conforme reportagem de Camila Alvarenga, do Portal Opera Mundi, publicada no site Brasil 247 (https://www.brasil247.com/entrevistas/esther-dweck-reindustrializacao-depende-da-intervencao-do-estado). Veja-se, por exemplo, a passagem: "Por isso falo do setor de saúde, que é uma demanda enorme da população e precisa da indústria, já que hoje importa equipamentos, fármacos e uma série de outras coisas. O Brasil tem potencial para atender a demanda da população de um serviço de saúde pública de qualidade por meio da industrialização, pode combinar demandas”. Continua a entrevistada, segundo a reportagem: "O Estado é quem deve capitanear esse projeto, ..., mesmo que crie políticas que estimulem ou atraiam o capital privado. A economista citou algumas das medidas necessárias para que o governo possa financiar a reindustrialização do país".


O caráter das medidas macroeconômicas para o enfrentamento dessas demandas

Ao se abordar o enfrentamento das inúmeras demandas, relativas fundamentalmente às carências decorrentes do nível do emprego e da renda, cabe considerar rapidamente o caráter macroeconômico do enfrentamento dessas demandas.

Qualquer sociedade considera o ideal que a atividade econômica – produção de bens e serviços e sua distribuição menos desigual entre as diferentes classes sociais – apresente uma tendência de crescimento, com pleno emprego, nível mínimo de inflação e com a propriedade de reduzir gradativamente as desigualdades existentes, seja de riqueza, seja de renda.

É complexo, como se pode acompanhar nos noticiários e nos debates, o conjunto de políticas econômicas necessárias para implementar medidas voltadas para o alcance deste ideal. A complexidade se deve, sobretudo, ao embate de interesses em jogo, principalmente resultantes da luta de classes que toda sociedade enfrenta.

As teorias econômicas, embora aceitando o caráter intrinsecamente instável do Capitalismo, divergem quanto à explicação dessas instabilidades e das interações das diferentes políticas, consequentemente, sobre as políticas a implementar em determinados períodos. Por exemplo: numa conjuntura de estagnação do nível da produção social (costumeiramente referida como o PIB – Produto Interno Bruto), principalmente com os impactos sobre o agravamento da miséria, pergunta-se: faz sentido se defender, como é próprio das correntes neoliberais, uma adesão irracional a “equilíbrio fiscal”, cuidando-se apenas dos interesses dos detentores de capital, em especial, dos rentistas do capital financeiro? Ou se deve ampliar os gastos de modo a ocupar as capacidades ociosas da sociedade, gerando-se mais produção e recursos públicos, seja para o orçamento “fiscal” (receitas e gastos para a prestação dos vários serviços públicos), seja para o orçamento “da previdência e assistência social”? 


A perspectiva dos DIREITOS SOCIAIS

No quadro a seguir, buscou-se trazer para marco destas reflexões os “direitos sociais” tais como estão no artigo 6º da Constituição da República.

Constituição original e emendas anteriores à de nº 90, de 2015

EC nº 90, de 15 de setembro de 2015

Educação

Saúde

 

Trabalho

Lazer

 

 

Segurança

Previdência Social

Proteção à Maternidade e à Infância

Assistência aos Desamparados

Educação

Saúde

Alimentação

Trabalho

Lazer

Moradia

Transporte

Segurança

Previdência Social

Proteção à Maternidade e à Infância

Assistência aos Desamparados

 

É importante chamar a atenção para o que foi acrescentado (com ênfase em negrito) na segunda coluna – três direitos sociais que não constavam na Constituição até setembro de 2015: alimentação, moradia e transporte, tendo sido acrescentados pela Emenda à Constituição nº 90/2015.

Destaque-se também que no exame de todos os direitos, mas sobretudo à alimentação, ressalta a urgente distinção entre as tarefas do presente e do horizonte à vista, daquelas do futuro, ou horizontes próximos e invisíveis de tão distantes.


Os desafios, os planos e os recursos

Nesse enfrentamento dos desafios atuais, na busca por aquele ideal da sociedade apontado no início deste texto, é fundamental lembrar que, do ponto de vista de recursos, as questões de planejamento se colocam simplificadamente assim:

a)      Em 2022, ao tempo em que se conta com os recursos do orçamento anual deste ano[1], o Congresso estará envolvido com o orçamento de 2023, que terá recebido do Poder Executivo até 31 de agosto, para aprovação até o final do ano[2]. Pode-se admitir que os novos parlamentares eleitos em outubro estarão, como naturais “influencers” da política, contribuindo, na medida do possível, apenas por meio de contatos e participação em formas diversas de pressão, com algum aperfeiçoamento do orçamento do próximo ano.

b)      Em 2023, se tratará, paralelamente, do Plano Plurianual de Ações (PPA) relativo ao período 2024-27 e do orçamento anual para 2024.

c)      É claro que horizontes não tão distantes, a ponto de terem sido chamados de invisíveis, deverão ser objeto de retomada de sua discussão. Um caso significativo, é o Plano Nacional de Educação (2014-2024)[3], certamente invalidado em sua implementação pelas gestões das políticas educacionais nas esferas federal, estaduais e municipais, nestes anos após o golpe de 2016. Nestes casos, em grande parte decorrente da contenção de recursos da extrema política fiscal neoliberal do Governo Federal, introduzida pelo Governo Temer[4].   

O orçamento da União para 2022 alcança 4,7 trilhões de reais, mas 1,9 trilhão (40% referem-se ao refinanciamento da dívida pública federal). Apenas 96,5 bilhões (2%) se destinam a investimentos. Não há exagero em se qualificar este montante como irrisório, em face das tarefas a executar.


Quais foram os recursos disponíveis no Orçamento Federal e suas destinações em 2020 e 2021?

Examinando-se a execução do orçamento, no âmbito do Governo Federal ("Resultado do Tesouro Nacional", Boletim, vol. 27, n. 12, 28/01/2022; páginas 6 e 7), a comparação dos resultados gerais, nos anos de 2020 e 2021, impressiona. Vejam-se alguns destaques:

a) descontada a inflação com base no IPCA, a receita total aumentou 21,6% e a despesa foi reduzida em 23,6%! Pergunta-se: como a sociedade, na situação de fome, causada, entre outros fatores, pelo desemprego e pela falta de programas assistenciais à altura das calamidades, poderia entender isto, mesmo que fosse minimamente informado e explicado?

b) em números absolutos, os valores são: a receita cresceu de R$ 1,5 para 1,9 trilhão; a despesa decresceu de R$ 1,9 para 1,6 trilhão!

Ao serem detalhados esses números, mais surpresas desinteressantes provocam os dados da Secretaria do Tesouro Nacional:

a) a receita de tributos (impostos, taxas e contribuições, inclusive as previdenciárias) alcançou nos dois anos, respectivamente, R$ 900 bilhões e 1,2 trilhão, uma variação de 23%, se descontada a inflação;

b) dentre as "receitas não administradas pela Receita Federal do Brasil", o estudo destaca o crescimento, descontada a inflação, de 501% no item Dividendos e Participações, "aumento explicado principalmente pelo recebimento de dividendos do BNDES (+ R$ 14 bilhões) ... aumento real nos dividendos pagos pela Petrobras (+ R$ 19,8 bilhões) e pela Caixa Econômica Federal (+ R$ 1,8 bilhão). Considerando-se que a Caixa e o BNDES, ambos de propriedade exclusiva da União, aumento de pagamento dividendos ao Tesouro, em vez de capitalização, representa, de algum modo, menos destinação de recursos para as finalidades das entidades, quais sejam, o de fomento financeiro público, destinado ao investimento e com longo prazo para pagamento;

c) chama a atenção no item "demais receitas não administradas pela Receita Federal do Brasil” a "devolução de R$ 6,6 bilhões relativa ao Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte)", certamente esperados pelas empresas diante da situação de estagnação do volume do PIB;

d) no âmbito das despesas, merecem destaque as reduções, em valores descontados da inflação, nos itens de: Benefícios Previdenciários (R$ 9,8 bilhões, 1,3% de redução); Despesas com Pessoal e Encargos Sociais  (R$ 19,6 bilhões, 5,4% de redução); Abono e Seguro Desemprego (R$ 19,2 bilhões, 28,3% de redução); Apoio Financeiro a Estados e Municípios (R$ 89,4 bilhões, redução de 100%); "Créditos Extraordinários (exceto PAC)" e "Subsídios, Subvenções e Proagro" apresentaram redução total de 382,8 bilhões em termos reais e ambos os grupos se referem a "despesas às medidas de combate à COVID-19 ... e enfrentamento das consequências econômicas e sociais decorrentes do estado de emergência causado pela pandemia do Coronavírus (COVID-19). No caso da redução das Despesas com Pessoal e Encargos Sociais, o documento do Tesouro explicita: "redução real influenciada pela ausência de reajustes salariais aos servidores públicos";

f) no caso do Abono e Seguro Desemprego (R$ 19,2 bilhões – redução real de 28,3%), o estudo registra entre os fatores "postergação dos pagamentos de abono salarial do 2º semestre de 2021 para o ano de 2022".

Vê-se, desse modo, que a gestão dos recursos federais privilegiou a geração do superavit primário, para atender aos interesses com pagamento de juros e dividendos aos investidores sobretudo os estrangeiros.

Sabemos que, numa economia capitalista, as decisões de investir, motivadas pelos lucros buscados, dependem de boas expectativas de crescimento dos mercados que, por sua vez, estão vinculados ao clima esperado para a operação dos negócios. A governabilidade abrangerá não somente as decisões de investimentos públicos e apoios aos privados, mas também a garantia de condições para a implantação e o bom andamento dos projetos.

Recife, 21 de abril de 2022.



[2] No dia 14/04/2022, o Poder Executivo encaminhou, ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), previsto no artigo 166 da Constituição Federal. Ele servirá de balizamento para a apreciação e aprovação do Orçamento Anual de 2023. (https://www.camara.leg.br/noticias/866781-governo-encaminha-projeto-da-ldo-2023-com-deficit-de-r-659-bi-e-salario-minimo-de-r-1-294/.

É importante registrar aqui, inicialmente, o caput de cada um dos artigos 165 e 166:

"Caput do art. 165: Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais". 

"Caput do art. 166: Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionai serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum."

Estes artigos sofreram muitas alterações com as seguintes Emendas Constitucionais aprovadas após o golpe de 2016, e são as responsáveis pelo chamado "orçamento paralelo" ou "orçamento secreto":

EC nº 100, de 26/06/2019: "Altera os artigos 165 e 166 da Constituição Federal para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária proveniente de emendas de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal".

EC nº 102, de 2019: "Dá nova redação ao art. 20 da Constituição Federal e altera o art. 165 da Constituição Federal e o art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".

EC nº 105, de 12/12/2019: "Acrescenta o art. 166-A à Constituição Federal, para autorizar a transferência de recursos federais a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios mediante emendas ao projeto de lei orçamentária anual".

EC nº 106, de 2020: "Institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade nacional decorrente de pandemia".

EC nº 109, de 15/03/2021: "Altera os artigos 29-A, 37, 49, 84, 163, 165, 167, 168 e 169 da Constituição Federal e os artigos 101 e 109 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; acrescenta à Constituição Federal os artigos 164-A, 167- A, 167-B, 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G; revoga dispositivos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e institui regras transitórias sobre redução de benefícios tributários; desvincula parcialmente o superávit financeiro de fundos públicos; e suspende condicionalidades para realização de despesas com concessão de auxílio emergencial residual para enfrentar as consequências sociais e econômicas da pandemia da Covid-19".

EC nº 112, de 27/10/2021: "Altera o art. 159 da Constituição Federal para disciplinar a distribuição de recursos pela União ao Fundo de Participação dos Municípios". Observação: esta EC estabelece obrigações novas para a União, em relação aos Municípios, nos quatro exercícios a partir de 2023.

EC nº 113, de 08/12/2021: "Altera a Constituição Federal e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer o novo regime de pagamentos de precatórios, modificar normas relativas ao Novo Regime Fiscal e autorizar o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios; e dá outras providências".

EC nº 114, de 16/12/2021: "Altera a Constituição Federal e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer o novo regime de pagamentos de precatórios, modificar normas relativas ao Novo Regime Fiscal e autorizar o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios; e dá outras providências". Observação: esta EC tem a mesma ementa da EC nº 113, mas modifica dispositivos diferentes.

[4] Ver a Emenda Constitucional nº 95, publicada em 16 de dezembro de 2016, apelidada de “Teto dos Gastos”: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm

 

02/05/2022

CAMPANHA PARA AS ELEIÇÕES DE 2022 - ESTÁ EM JOGO A DERRUBADA DO GOVERNO GOLPISTA E FASCISTA

Decorridos já alguns meses, este blog dá novamente sinal de vida. 

Os Partidos se movimentam há alguns poucos meses em torno da sua reestruturação, em face das muitas mudanças de partido, formação de chapas para os cargos majoritários e para a formação de Federações Partidárias ou Coligações para estes cargos. A Lei nº 14.208, de 28 de setembro de 2021 dispôs sobre a criação das Federações e vedou a coligação para eleições proporcionais.

As pesquisas eleitorais mostram, há meses, grande estabilidade nas posições dos candidatos: de um lado, a Presidente, o ex-Presidente Lula vem obtendo apoio de Partidos de esquerda, centro-esquerda, centro e centro-direita, configurando a "polarização" com o candidato de extrema-direita no poder, sem margem para uma desejada "terceira via", motivo de empenho dos Partidos do centro, centro-direita e direita para seu surgimento.

MÉDIA DE RESULTADOS DAS PRINCIPAIS PESQUISAS ELEITORAIS MOSTRAM PERSPECTIVA DE VITÓRIA DO EX-PRESIDENTE LULA NAS ELEIÇÕES DE 2022.

Em 30 de abril, no canal TV Fórum no YouTube (Pesquisas eleitorais), o Diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, apresentou ao entrevistador Mauro Lopes, os resultados do estudo “agregador” das principais pesquisas de intenção de votos no período de maio de 2021 a abril de 2022. A tendência é de estabilização do ex-Presidente Lula desde julho de 2021, em torno de 50% dos votos válidos, contra um crescimento de 28 a 34% do segundo candidato. Os outros candidatos apresentaram uma estabilidade de 21% nos meses de novembro de 2021 a março de 2022, reduzindo-se a 16% em abril, com a saída do ex-juiz da Lava Jato do páreo.

 


Segundo Marcos Coimbra, na síntese da entrevista concedida no dia 29 de abril, "não há cenário nenhum de vitória de Bolsonaro".