03/05/2022

PRESENTE E FUTURO – OS HORIZONTES À VISTA E OS DISTANTES

Ivo V. Pedrosa - //ivopedrosa.academia.edu

 

Vivemos um período em que estamos diante de inúmeras tarefas: as relacionadas com o esforço redobrado para a mudança, em outubro deste ano, dos detentores de poder nos Executivos e Legislativos Federais e Estaduais e as referentes à reconstrução do ambiente viável para o convívio social e das instituições democráticas.

Além da imprescindível e permanente luta pelas mudanças na esfera de atuação de cada cidadão, as eleições de outubro são o primeiro horizonte de destaque à vista. Nesse pequeno tempo que nos separa dele, é indispensável dialogar com os que podem contribuir para começar a fazer ruir o fascismo. Não será tarefa fácil, mas é inadiável. Os 25 a 30% da população, com direito a votar, que, em pesquisas de opinião, mantêm-se favoráveis à extensão do regime fascista, exigem dos engajados na transformação do país, além do esforço de planejar e começar as tarefas da reconstrução, o de enfrentar as ameaças, provocações e mesmo violência dos que se sentem próximos do momento de serem retirados do Poder.

Os que foram colocados no Poder por meio do golpe de 2016 continuam na sua determinação de difundir o ódio, de modo a continuar a destruição da esperança e o desmonte das instituições.


Os problemas graves e imediatos a enfrentar

É do conhecimento de todos e de discussão diária o conjunto de problemas graves e imediatos a enfrentar, passíveis de serem expressos em uma ou poucas palavras singulares. Tais problemas, visivelmente, se apresentam relacionados, mas precisam ser atacados separadamente. Alguns exemplos: a fome; o desemprego; a falta de renda ou de transferências públicas, ou a maior redução do poder de compra delas com a alta da inflação; e a carência aguda de habitação.

A este primeiro grupo de problemas somam-se outros e tornam-se evidentes suas interdependências ou combinação de políticas.

Essa questão de superposições de políticas fica bem clara em entrevista de Esther Dweck a Breno Altman, conforme reportagem de Camila Alvarenga, do Portal Opera Mundi, publicada no site Brasil 247 (https://www.brasil247.com/entrevistas/esther-dweck-reindustrializacao-depende-da-intervencao-do-estado). Veja-se, por exemplo, a passagem: "Por isso falo do setor de saúde, que é uma demanda enorme da população e precisa da indústria, já que hoje importa equipamentos, fármacos e uma série de outras coisas. O Brasil tem potencial para atender a demanda da população de um serviço de saúde pública de qualidade por meio da industrialização, pode combinar demandas”. Continua a entrevistada, segundo a reportagem: "O Estado é quem deve capitanear esse projeto, ..., mesmo que crie políticas que estimulem ou atraiam o capital privado. A economista citou algumas das medidas necessárias para que o governo possa financiar a reindustrialização do país".


O caráter das medidas macroeconômicas para o enfrentamento dessas demandas

Ao se abordar o enfrentamento das inúmeras demandas, relativas fundamentalmente às carências decorrentes do nível do emprego e da renda, cabe considerar rapidamente o caráter macroeconômico do enfrentamento dessas demandas.

Qualquer sociedade considera o ideal que a atividade econômica – produção de bens e serviços e sua distribuição menos desigual entre as diferentes classes sociais – apresente uma tendência de crescimento, com pleno emprego, nível mínimo de inflação e com a propriedade de reduzir gradativamente as desigualdades existentes, seja de riqueza, seja de renda.

É complexo, como se pode acompanhar nos noticiários e nos debates, o conjunto de políticas econômicas necessárias para implementar medidas voltadas para o alcance deste ideal. A complexidade se deve, sobretudo, ao embate de interesses em jogo, principalmente resultantes da luta de classes que toda sociedade enfrenta.

As teorias econômicas, embora aceitando o caráter intrinsecamente instável do Capitalismo, divergem quanto à explicação dessas instabilidades e das interações das diferentes políticas, consequentemente, sobre as políticas a implementar em determinados períodos. Por exemplo: numa conjuntura de estagnação do nível da produção social (costumeiramente referida como o PIB – Produto Interno Bruto), principalmente com os impactos sobre o agravamento da miséria, pergunta-se: faz sentido se defender, como é próprio das correntes neoliberais, uma adesão irracional a “equilíbrio fiscal”, cuidando-se apenas dos interesses dos detentores de capital, em especial, dos rentistas do capital financeiro? Ou se deve ampliar os gastos de modo a ocupar as capacidades ociosas da sociedade, gerando-se mais produção e recursos públicos, seja para o orçamento “fiscal” (receitas e gastos para a prestação dos vários serviços públicos), seja para o orçamento “da previdência e assistência social”? 


A perspectiva dos DIREITOS SOCIAIS

No quadro a seguir, buscou-se trazer para marco destas reflexões os “direitos sociais” tais como estão no artigo 6º da Constituição da República.

Constituição original e emendas anteriores à de nº 90, de 2015

EC nº 90, de 15 de setembro de 2015

Educação

Saúde

 

Trabalho

Lazer

 

 

Segurança

Previdência Social

Proteção à Maternidade e à Infância

Assistência aos Desamparados

Educação

Saúde

Alimentação

Trabalho

Lazer

Moradia

Transporte

Segurança

Previdência Social

Proteção à Maternidade e à Infância

Assistência aos Desamparados

 

É importante chamar a atenção para o que foi acrescentado (com ênfase em negrito) na segunda coluna – três direitos sociais que não constavam na Constituição até setembro de 2015: alimentação, moradia e transporte, tendo sido acrescentados pela Emenda à Constituição nº 90/2015.

Destaque-se também que no exame de todos os direitos, mas sobretudo à alimentação, ressalta a urgente distinção entre as tarefas do presente e do horizonte à vista, daquelas do futuro, ou horizontes próximos e invisíveis de tão distantes.


Os desafios, os planos e os recursos

Nesse enfrentamento dos desafios atuais, na busca por aquele ideal da sociedade apontado no início deste texto, é fundamental lembrar que, do ponto de vista de recursos, as questões de planejamento se colocam simplificadamente assim:

a)      Em 2022, ao tempo em que se conta com os recursos do orçamento anual deste ano[1], o Congresso estará envolvido com o orçamento de 2023, que terá recebido do Poder Executivo até 31 de agosto, para aprovação até o final do ano[2]. Pode-se admitir que os novos parlamentares eleitos em outubro estarão, como naturais “influencers” da política, contribuindo, na medida do possível, apenas por meio de contatos e participação em formas diversas de pressão, com algum aperfeiçoamento do orçamento do próximo ano.

b)      Em 2023, se tratará, paralelamente, do Plano Plurianual de Ações (PPA) relativo ao período 2024-27 e do orçamento anual para 2024.

c)      É claro que horizontes não tão distantes, a ponto de terem sido chamados de invisíveis, deverão ser objeto de retomada de sua discussão. Um caso significativo, é o Plano Nacional de Educação (2014-2024)[3], certamente invalidado em sua implementação pelas gestões das políticas educacionais nas esferas federal, estaduais e municipais, nestes anos após o golpe de 2016. Nestes casos, em grande parte decorrente da contenção de recursos da extrema política fiscal neoliberal do Governo Federal, introduzida pelo Governo Temer[4].   

O orçamento da União para 2022 alcança 4,7 trilhões de reais, mas 1,9 trilhão (40% referem-se ao refinanciamento da dívida pública federal). Apenas 96,5 bilhões (2%) se destinam a investimentos. Não há exagero em se qualificar este montante como irrisório, em face das tarefas a executar.


Quais foram os recursos disponíveis no Orçamento Federal e suas destinações em 2020 e 2021?

Examinando-se a execução do orçamento, no âmbito do Governo Federal ("Resultado do Tesouro Nacional", Boletim, vol. 27, n. 12, 28/01/2022; páginas 6 e 7), a comparação dos resultados gerais, nos anos de 2020 e 2021, impressiona. Vejam-se alguns destaques:

a) descontada a inflação com base no IPCA, a receita total aumentou 21,6% e a despesa foi reduzida em 23,6%! Pergunta-se: como a sociedade, na situação de fome, causada, entre outros fatores, pelo desemprego e pela falta de programas assistenciais à altura das calamidades, poderia entender isto, mesmo que fosse minimamente informado e explicado?

b) em números absolutos, os valores são: a receita cresceu de R$ 1,5 para 1,9 trilhão; a despesa decresceu de R$ 1,9 para 1,6 trilhão!

Ao serem detalhados esses números, mais surpresas desinteressantes provocam os dados da Secretaria do Tesouro Nacional:

a) a receita de tributos (impostos, taxas e contribuições, inclusive as previdenciárias) alcançou nos dois anos, respectivamente, R$ 900 bilhões e 1,2 trilhão, uma variação de 23%, se descontada a inflação;

b) dentre as "receitas não administradas pela Receita Federal do Brasil", o estudo destaca o crescimento, descontada a inflação, de 501% no item Dividendos e Participações, "aumento explicado principalmente pelo recebimento de dividendos do BNDES (+ R$ 14 bilhões) ... aumento real nos dividendos pagos pela Petrobras (+ R$ 19,8 bilhões) e pela Caixa Econômica Federal (+ R$ 1,8 bilhão). Considerando-se que a Caixa e o BNDES, ambos de propriedade exclusiva da União, aumento de pagamento dividendos ao Tesouro, em vez de capitalização, representa, de algum modo, menos destinação de recursos para as finalidades das entidades, quais sejam, o de fomento financeiro público, destinado ao investimento e com longo prazo para pagamento;

c) chama a atenção no item "demais receitas não administradas pela Receita Federal do Brasil” a "devolução de R$ 6,6 bilhões relativa ao Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte)", certamente esperados pelas empresas diante da situação de estagnação do volume do PIB;

d) no âmbito das despesas, merecem destaque as reduções, em valores descontados da inflação, nos itens de: Benefícios Previdenciários (R$ 9,8 bilhões, 1,3% de redução); Despesas com Pessoal e Encargos Sociais  (R$ 19,6 bilhões, 5,4% de redução); Abono e Seguro Desemprego (R$ 19,2 bilhões, 28,3% de redução); Apoio Financeiro a Estados e Municípios (R$ 89,4 bilhões, redução de 100%); "Créditos Extraordinários (exceto PAC)" e "Subsídios, Subvenções e Proagro" apresentaram redução total de 382,8 bilhões em termos reais e ambos os grupos se referem a "despesas às medidas de combate à COVID-19 ... e enfrentamento das consequências econômicas e sociais decorrentes do estado de emergência causado pela pandemia do Coronavírus (COVID-19). No caso da redução das Despesas com Pessoal e Encargos Sociais, o documento do Tesouro explicita: "redução real influenciada pela ausência de reajustes salariais aos servidores públicos";

f) no caso do Abono e Seguro Desemprego (R$ 19,2 bilhões – redução real de 28,3%), o estudo registra entre os fatores "postergação dos pagamentos de abono salarial do 2º semestre de 2021 para o ano de 2022".

Vê-se, desse modo, que a gestão dos recursos federais privilegiou a geração do superavit primário, para atender aos interesses com pagamento de juros e dividendos aos investidores sobretudo os estrangeiros.

Sabemos que, numa economia capitalista, as decisões de investir, motivadas pelos lucros buscados, dependem de boas expectativas de crescimento dos mercados que, por sua vez, estão vinculados ao clima esperado para a operação dos negócios. A governabilidade abrangerá não somente as decisões de investimentos públicos e apoios aos privados, mas também a garantia de condições para a implantação e o bom andamento dos projetos.

Recife, 21 de abril de 2022.



[2] No dia 14/04/2022, o Poder Executivo encaminhou, ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), previsto no artigo 166 da Constituição Federal. Ele servirá de balizamento para a apreciação e aprovação do Orçamento Anual de 2023. (https://www.camara.leg.br/noticias/866781-governo-encaminha-projeto-da-ldo-2023-com-deficit-de-r-659-bi-e-salario-minimo-de-r-1-294/.

É importante registrar aqui, inicialmente, o caput de cada um dos artigos 165 e 166:

"Caput do art. 165: Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais". 

"Caput do art. 166: Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionai serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum."

Estes artigos sofreram muitas alterações com as seguintes Emendas Constitucionais aprovadas após o golpe de 2016, e são as responsáveis pelo chamado "orçamento paralelo" ou "orçamento secreto":

EC nº 100, de 26/06/2019: "Altera os artigos 165 e 166 da Constituição Federal para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária proveniente de emendas de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal".

EC nº 102, de 2019: "Dá nova redação ao art. 20 da Constituição Federal e altera o art. 165 da Constituição Federal e o art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".

EC nº 105, de 12/12/2019: "Acrescenta o art. 166-A à Constituição Federal, para autorizar a transferência de recursos federais a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios mediante emendas ao projeto de lei orçamentária anual".

EC nº 106, de 2020: "Institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade nacional decorrente de pandemia".

EC nº 109, de 15/03/2021: "Altera os artigos 29-A, 37, 49, 84, 163, 165, 167, 168 e 169 da Constituição Federal e os artigos 101 e 109 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; acrescenta à Constituição Federal os artigos 164-A, 167- A, 167-B, 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G; revoga dispositivos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e institui regras transitórias sobre redução de benefícios tributários; desvincula parcialmente o superávit financeiro de fundos públicos; e suspende condicionalidades para realização de despesas com concessão de auxílio emergencial residual para enfrentar as consequências sociais e econômicas da pandemia da Covid-19".

EC nº 112, de 27/10/2021: "Altera o art. 159 da Constituição Federal para disciplinar a distribuição de recursos pela União ao Fundo de Participação dos Municípios". Observação: esta EC estabelece obrigações novas para a União, em relação aos Municípios, nos quatro exercícios a partir de 2023.

EC nº 113, de 08/12/2021: "Altera a Constituição Federal e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer o novo regime de pagamentos de precatórios, modificar normas relativas ao Novo Regime Fiscal e autorizar o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios; e dá outras providências".

EC nº 114, de 16/12/2021: "Altera a Constituição Federal e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer o novo regime de pagamentos de precatórios, modificar normas relativas ao Novo Regime Fiscal e autorizar o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios; e dá outras providências". Observação: esta EC tem a mesma ementa da EC nº 113, mas modifica dispositivos diferentes.

[4] Ver a Emenda Constitucional nº 95, publicada em 16 de dezembro de 2016, apelidada de “Teto dos Gastos”: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm

 

2 comentários:

  1. Torno público esclarecimento que me foi solicitado sobre a expressão "transferências públicas" que usei no primeiro parágrafo do tópico "Os problemas graves e imediatos a enfrentar". Elas são recursos públicos entregues às pessoas físicas, a partir de critérios estabelecidos em lei e que não são contrapartida de trabalho realizado. O exemplo mais significativo é o montante de aposentadorias. Estes valores correspondem a tempo de trabalho PASSADO, não são remunerações de trabalho atual. As remunerações de trabalho atual fazem parte do PIB-Produto Interno Bruto, síntese do resultado da atividade econômica da sociedade em dado período.
    Outro exemplo muito conhecido é a Bolsa Família, uma transferência pública permanente, que será extinta no final de dezembro próximo, sendo substituída pelo Auxílio Brasil, que terminará também em dezembro. Esses dois últimos tipos de recursos de transferências públicas - a Bolsa Família e o Auxílio Brasil -, que aumentam a capacidade de compra das pessoas (conforme lei, de renda baixa) permitem que mais produção seja realizada, gerando emprego. Mais um exemplo: o seguro desemprego. Mas, existem muitos outros.
    Existindo inflação, todas as transferências precisam ser ajustados para um valor mais alto. Daí, no texto, eu mencionar "ou a maior redução do poder de compra delas (transferências) com a alta da inflação".

    Os interessados em mais detalhes podem encontrar no portal do IBGE (https://ibge.gov.br/) e, para orientação geral, em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101872, especificamente em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101872_informativo.pdf (páginas 9 a 11) e https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101872_notas_tecnicas.pdf.

    ResponderExcluir
  2. Uma versão um pouco reduzida deste artigo foi publicado na Revista Jornalismo & Cidadania (Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa "Jornalismo e Contemporaneidade" - PPGCOM/UFPE - no número 48 (maio/agosto de 2022), páginas 4-6. O link para o artigo é: https://issuu.com/revistajornalismoecidadania/docs/1rjc_n_48/s/16833316

    ResponderExcluir