[Nota 4 da série NOTAS SOBRE CONJUNTURA E ESTRUTURA ECONÔMICAS BRASILEIRAS]
Reforma da tributação da renda e do patrimônio
24/07/2025
O tema da tributação da renda e do patrimônio é extremamente amplo. Quando debatido, costuma-se enfatizar aspectos conjunturais mais visíveis — especialmente quando em pauta durante campanhas eleitorais. Um exemplo atual é a discussão sobre maior justiça fiscal na tributação da renda da pessoa física.
Essa alteração pode ser resumida assim:
- Busca-se reduzir a injustiça observada nas alíquotas médias efetivamente incidentes sobre diferentes faixas de renda. As faixas mais baixas e médias chegam a pagar até 20% da renda, enquanto rendas muito altas — acima de R$ 1 milhão por ano — contribuem com meros 1% a 2%.
- As alterações propostas pelo Poder Executivo, hoje em discussão no Congresso Nacional, podem ser resumidas do seguinte modo:
- Isenção para quem ganha até R$ 5.000,00 mensais;
- Redução progressiva para rendas entre R$ 5.000 e R$ 7.000:
- desconto de 75% entre R$ 5.000 e R$ 5.500;
- desconto de 50% entre R$ 5.500 e R$ 6.000;
- desconto de 25% entre R$ 6.000 e R$ 7.000;
- Pagamento mínimo de 10% da renda para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão por ano.
Segundo a Agência Câmara de Notícias, “A ideia da proposta é adotar alíquotas mínimas a partir de R$ 600 mil por ano, chegando ao mínimo de 10% para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão por ano.”
- A mudança para as altíssimas rendas visa compensar a redução na arrecadação provocada pela ampliação das faixas de isenção e de alíquotas mais baixas. O Projeto de Lei institui, para isso, o Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas Mínimo (IRPFM).
Um estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE-USP) aponta que, caso a proposta do Projeto de Lei nº 1.087/2025 seja aprovada, ela será fiscalmente neutra: os valores pagos por 141 mil brasileiros com rendas superiores a R$ 600 mil por ano compensarão os R$ 25,8 bilhões de redução de receita provenientes da nova faixa de isenção — que beneficiará cerca de 10 milhões de pessoas.
Antes da conjuntura, um panorama estrutural
Embora o debate atual tenha sido impulsionado pelas eleições mais recentes para o Executivo Federal e o Congresso Nacional, é importante caracterizar previamente o conjunto das possibilidades de tributação. Ganhou destaque, desde o período pós-eleitoral, a chamada reforma da tributação do consumo, que se encontra em fase final de regulamentação. Ela substitui tributos das três esferas de governo (ICMS, IPI, ISS, COFINS e PIS) por:
- Um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), com competência compartilhada entre Estados e Municípios;
- Um Imposto Seletivo (IS), de competência exclusiva da União, substituindo o atual IPI.
A implementação da reforma do consumo está prevista para ocorrer gradualmente, entre 2026 (fase de testes, sem arrecadação efetiva) e 2032.
Renda e patrimônio: categorias fundamentais
Há grande diversidade entre os tipos de renda, que podem ser classificados da seguinte maneira:
- Renda decorrente do trabalho individual, recebida pela maioria da população: salários mensais, proporcionais à escolaridade, qualificação profissional e experiência acumulada.
- Renda gerada pela propriedade de terra ou de imóveis, excetuados:
- o imóvel de residência de uso direto pelo proprietário;
- áreas de terra cuja produção garanta ao menos uma renda digna ao pequeno produtor.
- Renda proveniente do uso de veículos automotores ou movidos por tração humana, quando utilizados como instrumento de trabalho (ex.: motocicletas, bicicletas, automóveis).
Quanto ao patrimônio, além dos bens citados acima como origem de renda, destacam-se:
- Imóveis (rurais ou urbanos) utilizados na produção de bens e serviços, com uso de força de trabalho (própria ou contratada);
- Títulos de propriedade de empresas, em sociedades limitadas ou anônimas — estas com capital representado por ações negociadas no mercado;
- Ativos financeiros: moeda, depósitos bancários, títulos, cotas de fundos, entre outros — todos compondo o patrimônio pessoal ou empresarial.
O sistema tributário e os impostos sobre renda e patrimônio
A Constituição Federal, leis complementares e legislações estaduais e municipais definem as competências tributárias e a estrutura do Sistema Tributário Nacional. A sua complexidade tem sido um dos principais desafios na construção de uma reforma eficaz e justa, como se tornou evidente na longa tramitação, ainda em curso, da reforma da tributação do consumo.
Nos termos da Constituição, temos:
União – Art. 153
São de competência federal, entre outros, os seguintes impostos sobre renda e patrimônio:
- Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR);
- Imposto sobre Operações Financeiras (IOF);
- Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR);
- Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF – ainda não regulamentado, apesar de criado pela Constituição de 1988).
Estados e Distrito Federal – Art. 155
- Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD);
- Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Municípios – Art. 156
- Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU);
- Imposto sobre Transmissão Inter Vivos (ITBI).
Quantidade de impostos ≠ quantidade de arrecadação
Apesar da existência de múltiplos tributos sobre renda e patrimônio, a participação dessas bases na arrecadação total é reduzida em comparação aos tributos sobre consumo e faturamento.
Para ilustrar essa realidade, apresenta-se abaixo uma tabela com dados recentes, obtidos em levantamento solicitado ao sistema ChatGPT, da OpenAI, com base em fontes como Receita Federal, Tesouro Nacional e estudos do MADE-USP:
Ente Federativo | Arrecadação total (R$ bilhões) | Impostos sobre a Renda (R$ bilhões) | Impostos sobre o Patrimônio | Outras bases (consumo, comércio exterior etc.) |
---|---|---|---|---|
União (2024) | 2.652 | 1.068 | Próximo de zero | 1.584 |
Estados e DF (2022) | 851,0 | – | Participação modesta (IPVA, ITCMD) | Predominante: ICMS (consumo) |
Municípios (2022) | 223,8 | – | Relevante (IPTU, ITBI) | ISS (consumo de serviços) |
Totais | 3.726,8 |
Considerações finais
Os dados demonstram que, embora existam diversos tributos com base na renda e no patrimônio, sua arrecadação efetiva é desproporcionalmente pequena. Isso contribui para a regressividade do sistema tributário brasileiro e reforça a urgência de uma reforma ampla e estruturada da tributação direta.
As mudanças atualmente em discussão — incluindo o IRPF Mínimo e o avanço sobre lucros e dividendos — são passos iniciais fundamentais para maior justiça fiscal. No entanto, só a combinação entre uma tributação mais progressiva da renda, uma revisão da carga sobre o consumo e o enfrentamento da desigualdade patrimonial poderá equilibrar o sistema de forma sustentável.
É oportuno aproveitar o ensejo para solicitar ao leitor o apoio na forma de assinatura de um abaixo-assinado dirigido ao Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no sentido de promover estudos e discussões visando à reforma do sistema de Impostos sobre a Renda e o Patrimônio, das três esferas da Federação. Eis o link para o abaixo-assinado: https://chng.it/Mf8sXyFYDN